Em 1996, eu era uma garota um pouco revoltada. Eu trabalhava como comissária de bordo em uma empresa brasileira, que neste mesmo ano havia expandido seus serviços para todo o território nacional. Era quase final de ano e havíamos perdido em um acidente aéreo alguns colegas de trabalho, eles não faziam parte constantemente da minha vida, eu sequer tinha contato com eles, talvez os tenha visto entre uma e outra viagem, mas particularmente eu estava chocada e a fim de desistir da minha profissão. Medo eu não tinha de morrer, mas aquele acidente me abalou profundamente.
Eu já falava inglês e espanhol fluentemente, por isso, ainda naquele mesmo ano, recebi uma proposta para trabalhar em uma empresa aérea do exterior.
Antes de continuar, gostaria de falar um pouco ao meu respeito. Eu fui uma criança e adolescente normal, com todos os problemas da idade. Meu pai faleceu quando eu tinha quatorze anos e minha mãe começou a trabalhar para sustentar, eu e Bia a minha irmã mais nova, na época com dois anos de idade. Enquanto minha mãe trabalhava no turno da tarde, eu a ajudava na casa e cuidava de Bia e estudava pela manhã. Terminei o fundamental e o segundo grau com muito esforço. Logo depois que terminei o segundo grau, minha mãe resolveu que eu deveria fazer um curso profissionalizante e me inscreveu numa escola para profissionais de aviação, dando o ponta-pé inicial e realizando um dos meus maiores sonhos: Ser uma aeromoça!
Apesar de estar realizando o sonho da minha vida, eu não era feliz, sentia um vazio enorme dentro do meu peito, achava que tudo era muito difícil para mim e para a minha família, resumindo eu vivia revoltada com a vida, algo que não era muito comum, a uma adolescente, criada sob a orientação da Doutrina Espírita.
Até o recebimento da proposta, minha vida e minha opinião sobre as dificuldades, continuaram as mesmas e aceitei ir trabalhar no exterior, mais por espírito de aventura, do que por convicção. Achei que longe, eu poderia ser mais feliz, um pensamento egoísta, pois pensei mais em mim do que em minha mãe e em minha irmã. Por outro lado, eu sabia que financeiramente eu poderia as ajudar de maneira bem melhor.
Embarquei num avião para a Inglaterra e depois fui para a Índia, trabalhar em uma subsidiária e indo morar em um hotel, onde permaneci dois anos e assim inicia a minha mudança de pensamento a respeito da vida.
Inicialmente achei o país medíocre, a cidade imunda e as pessoas muito estranhas. No hotel eu tinha tudo, ar condicionado, boa comida e tudo para garantir o meu conforto, mas bastava colocar o pé para fora, a miséria era gritante (ainda é), sujeira pelas calçadas, pessoas sujas pedindo esmola e amontoadas nas soleiras dos prédios.
Notei, que diferente do Brasil, quando um pobre ganha um pedaço de pão, corre para se esconder e comê-lo sozinho, eles, por mais diminuta que fosse a fatia, dividiam e ela passava de mão em mão e em cada uma das mãos, ficava uma pequena pedaço. Eles dividiam as suas misérias e cada um procurava minimizar a miséria do outro, nada mais, nada menos do que repartir o pão!
O que me chamou a atenção era as crianças, pequenas, raquíticas e mal nutridas. Cada vez que saía ou chegava ao hotel, não podia deixar de olhar para elas. A maioria das vezes, eu apenas sorria e seguia o meu caminho. Certo tempo depois, eu comecei a comprar pão e trazer comigo, cada vez que passava por elas, eu estendia a sacola de papel e uma ou outra criança corria para pegá-la, qualquer uma delas me retribuía com um sorriso e eu fazia o mesmo.
Um dia, antes de sair do hotel, comprei alguns doces e balas, colocando junto aos pães e como costumeiramente, ao pisar na calçada estendi o braço e uma menina veio correndo em minha direção. Ela parou, antes de segurar a sacola, sorriu e me disse, no seu idioma, o qual eu já entendia um pouco:
- Moça, você sabe que eu sou muito feliz!
Surpresa, eu perguntei por quê? Achando que a resposta seria sobre as doações que eu fazia para eles, mas não:
- Por que eu posso ver o teu sorriso!
Ela pegou a sacola, se afastou e foi ao encontro dos outros. Eu fiquei para e com a boca aberta, fui pega de surpresa.
Naquele dia passei o dia inteiro com aquelas palavras na cabeça e elas foram o ponto de partida para uma nova Lena:
- Como eu posso ser infeliz, tendo tudo o que eu tenho e apenas o meu sorriso pode fazer uma criança feliz!
Daquele dia em diante a minha vida mudou, o vazio que eu sentia aos poucos se desfez, a amargura ficou mais doce e a revolta dentro de mim começou a se amenizar! A Leninha morreu e a Helena nasceu.
Algum tempo depois, voltei ao Brasil, para resgatar a minha vida novamente, junto a tudo que tinha deixado devido a minha revolta, para rever meus valores e a minha família e, somente depois, mais amadurecida e sabendo realmente o que eu queria da minha vida, voltei para o exterior, fui morar na Espanha, voltei novamente e algum tempo depois fui morar na Inglaterra. Mas, mesmo com a distância de casa, nunca mais senti a solidão!