Na infância, eu já me preocupava com o que pescava das conversas dos adultos. Mesmo quando metida nas brincadeiras de criança, a vida me preocupava profundamente. E não era apenas uma preocupaçãozinha! Não! Eu colecionava preocupações diversas, a maioria nada a ver comigo, mas com pessoas que eu amava.
Porém, isso não significa que eu não tenha me divertido muito e passado devidamente pela fase infante, muitas foram as brincadeiras, as traquinagens, as chineladas nas nádegas, as reinações e as brigas com os amiguinhos!
O fato é que eu percebia coisas que meus amiguinhos de infância não percebiam, porque estavam fazendo o que deviam fazer: brincando e sendo crianças. Essa habilidade em vasculhar e prestar atenção no que não me dizia respeito, levou-me a ser um ótima contempladora de além, e a compreender melhor as situações realistas e diretas. Até hoje, com mais de trinta e cinco anos, minhas amigas me surpreendem com revelações sobre nossa infância e adolescência. Não são poucas as situações que aconteceram e não vivi, apesar de estar presente. Claro, eu me distraí completamente da realidade nua e crua, das conversas diretas da vida naquela época, especializando-me em profundidades e preocupações futurísticas. E por mais que eu ache, que isso foi-me bem melhor do que a outra opção, não faz sentido algum aos que me cercam.
Contemplar o além me faz escutar mais do que os outros gostariam de dizer. Mas isso, de maneira nenhuma, não é inventar sentimentos ou reescrever a biografia de outras pessoas, como uma revista de celebridades, é somente um prestar atenção que segue adiante, que não se satisfaz apenas com o que é oferecido e que está na cara.
Obviamente, contemplar o além me ensinou a questionar, a pensar mais, não ficar esperando, mas agir, mas não por impulso, enquanto os outros ficaram ou ficam apenas prevendo o que poderá acontecer!
Ser contempladora de além me ensinou a ser fria e calculista, nada me passa despercebido. Ser contempladora do além me ensinou a ser espiritualista, avaliar o certo e o errado. Ser contempladora do além me ensinou a escrever, algo sempre me foi uma precisão de dizer coisas que não cabem em lugar nenhum, a não ser na imaginação.
Enfim, ser contempladora do além me ensinou a dosar a vida e a pensar no que virá depois dela, não que isso seja crucial para mim, mas tenho certeza que será para quem ficar por aqui! Pois de mim ficaram somente as lembranças e faço de tudo para que sejam boas e que se lembre de mim pela dignidade que tive.
Ser contempladora de além não me fez somente para viver o presente, nem para viver de memórias e lembranças, mas para me jogar na tempestade, mesmo quando, exteriormente, a paz pareça reinar e para encarar a vida de frente.